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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Belém e a normalidade das coisas incômodas (nota sobre violência 1)

Cena de um crime na rua.Foto de Ricardo Silva

Seis adolescentes são mortalmente alvejados na madrugada de um sábado para domingo em Icoaraci, distrito afastado cerca de 18 km do centro de Belém. O caso ganhou repercussão nacional em novembro de 2011 e inseriu instantaneamente a “Vila Sorriso” nos mapas e nas recentes estatísticas da onda de violência que assola o país. Uma chacina que revoltou a população e que se soma a tantos outros episódios de violência na capital e no interior do Estado do Pará desde que essa terra habitada por este povo aguerrido e caloroso é anunciada ao mundo pelos meios de comunicação de massa.

Os jornais estampam afagos diários ao público a respeito de crimes, acidentes e de assassinatos de toda espécie. Programas de rádio e TV vendem espaços de propagandas entre matérias alicerçados na exploração da violência e da desgraça alheia. Uma ora o apresentador fala com falso ar de revolta sobre um assassinato, uma perseguição policial,  para logo em seguida apresentar um tom descontraído e anunciar as qualidades de um novo produto e retornar às manchetes de crimes, alguns mais repetitivos que outros, entremeados por alguns que soam mais inéditos.

O incômodo se tornou algo prosaico em nossos dias, sobretudo em Belém, a capital do Pará. O incômodo “é”, simplesmente. O excesso de incômodos do dia-a-dia nos ensinou a amortecer com o tempo o nosso choque;  nos tornou curiosamente preparados para não nos desprepararmos jamais; para nunca sermos pegos de surpresa e não deixarmos que a surpresa seja mais do que um fenômeno previsível.

Um acidente de trânsito, um corpo ensanguentado no chão, um caso de estupro, um incêndio, o desabamento de um prédio de 400 andares no centro, um assalto numa van às nove da noite no qual durante um breve espaço de tempo, entre uma rua e outra, o assaltante ameaça os passageiros com um arma enferrujada em punho de que vai “causar terror”. E nenhum pio. O medo de sair às ruas; de ficar em casa, o sobressalto e o alívio de saber que dessa vez escapamos, são eventos que, somados, vem nos tornando cada vez mais indiferentes, emudecidos. E a realidade, nesses termos, (parece) nos torna  mais atentos à própria realidade e à vida, sem mistificações.

Hoje, o que incomoda - a quem ainda se deixa incomodar - é a paradoxal indiferença da maioria das pessoas em relação ao que antes era incômodo. O incômodo nos vem sendo encarado cada vez mais como algo absolutamente normal. Sem grandes e traumáticos espantos. O chocar-se até existe, mas é um dado instantâneo. Logo passa. Sempre passa. E logo depois, como sempre, a tragicidade vem acompanhada dos comerciais, com seus produtos maravilhosos.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Ter um Blog


“Um blog ou blogue (contração do termo inglês Web log, diário da Web) é um site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog, podendo ser escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog.”[1]


Uma hora, cedo ou tarde, o que você escreve se volta contra você.” Foi assim que Cláudia Nascimento, amiga e blogueira emérita (http://marcosdotempo.blogspot.com/), recentemente me advertiu a respeito da tarefa, do desafio, do compromisso e dos riscos de se ter um blog. E foi com essa frase em mente que resolvi retomar, ou pelo menos, cogitar ter como plano a possibilidade de um dia ter um blog. 

Digo deste modo porque a ideia em mim é antiga, embora a coragem para levar a coisa a termo seja algo que sempre me escapuliu, coisa de libriano ou de icoaraciense que tem por prática – e digo isso por experiência própria – de deixar as coisas pra depois e depois. 

Medo de se expor, de machucar os outros e de ser machucado, medo de tocar na ferida, de se “queimar” (como se costuma dizer no cenário artístico de Belém do Pará e do mundo), medo de dizer bobagens... Enfim, é tanto medo que nos perpassa antes de tomamos a ação efetiva de fazer algo como escrever sobre qualquer coisa e se postar num meio aberto como um blog, que o saldo recorrente disso é quase sempre a inanição. 

Costuma-se dizer (e acredito que não só na provinciana Belém se costuma dizer isso) que silenciar a respeito de algo é uma forma educada de se exercer a crítica; uma forma de se expor uma opinião, por meio do desprezo. Sou reticente em reconhecer a força desse tipo de crítica. Para mim, silenciar é silenciar. E deixar que as coisas passem incólumes ou no pior dos casos, despercebidas, e as coisas continuam e continuarão como estão. Isso não é crítica. Criticar é colocar as coisas à vista de todos - ainda que as coisas permaneçam eternamente como são e estão.

Hoje, um blog é uma ferramenta, se não democrática, bem mais acessível do que quando ouvi a palavra “blog” pela primeira vez. O ano era o de 2002 e a artista paraense Lúcia Gomes (1966) realizava uma exposição na Galeria Theodoro Braga (Belém-PA) chamada assim: "Blog". 

"Blog" era uma instalação que partia da intervenção direta nas paredes alvas da sala de exposição e um dos trabalhos mais viscerais que vi desde então em meio à minha clausura voluntária nessa terrinha cheia de mangueiras pitorescas com seus frutos ameaçadores que pendulam  sobre nossas cabeças e espíritos divagantes. 

A primeira parte de "Blog" apresentava numerosos riscos feitos a tinta spray nas paredes e no teto de concreto da Theodoro Braga, e à medida em que entrávamos iam se tornando pichações (marcas tão prosaicas em nossas cidades) para na segunda parte da exposição se transformarem em traços que simulavam grafismos rupestres (aquelas marcas pré-históricas presentes em sítios arqueológicos como as que existem no município de Monte Alegre, no oeste do Pará), obtidos com pigmentos e incisões tão profundas que nos era possível ver a estrutura de concreto e as camadas de tinta que recobriam as paredes da galeria desde sua inauguração, na década de 1980. 

Lúcia propunha (é a minha leitura) um diário da vida humana, esta desenvolvida em sociedade ao longo dos tempos. Nesse sentido, “Blog” se queria um diário nada simples em seus propósitos de refletir sobre temas como a cidade, a arte, a pichação e os domínios e limites da expressão humana. 
Com base no que vi e entendi ali, para mim, e por muito tempo, um blog seria uma espécie de diário, escrito, independente de que meio. E por algum tempo a ideia de blog me permaneceu assim. Até entrar em contato com blogs propriamente ditos, virtuais, por volta de 2004, quando a internet se tornou um elemento mais presente em minha vida.
De imediato, fiquei fascinado com a acessibilidade, a instantaneidade e a conveniência de se ter um blog, fosse para divulgar ideias, gostos; compartilhar informações, programações; fosse para expor coisas entranhadas da vida. 

Levou um tempo considerável para que eu resolvesse ter coragem para criar um, o que só ocorreu em 2008 quando entrou no ar “O Libriano”, blog que alimentei até 2009 postando de forma estrita uma excessiva quantidade de textos verbais sobre coisas que aconteciam diariamente na vida desse libriano que vos fala.Com o material reunido nesse blog pretendia criar uma exposição no ano seguinte enquanto eu divulgar o projeto em seu próprio percurso. 
Só vim perceber a exposição excessiva a que me submeti com “O Libriano” quando passei um tempo sem postar artigos, motivado, sei lá porque - talvez com coisas de estudos e de baixa-estima - e vi nas página infinitas d"O Libriano" a vida minha em seus maiores pormenores. 

Por algum motivo (o decoro, decerto) me vi excluindo o blog certo  dia, embora preservando a conta no blogspot para a suposta criação de um novo blog com propósitos, digamos, menos invasivos. Até perceber que esse “menos invasivo”, no caso de um blog (e de quase tudo que se relaciona à internet e à própria vida) é uma balela, e um tremendo de um papofurado. Todo texto e ação pressupõe a exposição do seu autor, já que aqueles são produtos deste. “A pérola é a autobiografia da ostra”, já dizia Federico Fellini, num de seus aforismas mais citados. Com tudo isso em mente, se tivesse de levar adiante a ideia da criação de um novo blog, precisaria me desprender de todo e de qualquer receio pacóvio de me expor, de machucar alguém, de ser machucado, de tocar na ferida, de me “queimar” e de dizer bobagens. 

Tomadas as  necessárias medidas eis que foi criado, e já há um tempo, o “Cultura Sintética”, um blog pessoal com a missão de compartilhar impressões sobre manifestações culturais tendo em vista as diversas linguagens artísticas, que de algum modo afetam Belém do Pará, esse ponto preto e incandescente de asfalto e luz no meio da floresta amazônica ou a  mim, esse ponto preto, barbudo e de mochila, que trafega entre Belém e Icoaraci diariamente, e que pretende manter a regularidade das postagens nesse blog daqui por diante. 

A expressão "Cultura Sintética" foi tomada de empréstimo de um verso da música “Legal e Ilegal”,  de Felipe Cordeiro (http://felipecordeiro.net/), faixa de abertura do álbum “Kitsch Pop Cult”. o emprego de “Cultura Sintética” aqui, entretanto, se refere menos à substância química incensada e consumida nas festinhas no drum’n’bass (rosinha, branquinha, pílula amarela), como a música de Cordeiro reitera, e serve mais como alusão à ambição de síntese que esse  blogueiro pretende adotar aqui, como forma de evitar a prolixidade (perseguir o tal "poder de síntese", o que, decerto, não conseguirei pelo simples fato de que a prolixidade me é enraizada). 

 

“Cultura Sintética”, por outro lado, pode sugerir o fato de que a cultura não é mesmo um dado que provém de modo estrito de nossa natureza, algo que nos seja inato (e “sintético” teria então valor de “artificial”), o que nos permitria dizer que toda cultura é algo construído, de forma sintética, na relação nossa com o mundo e com os seres com os quais  esbarramos no dia-a-dia. "Cultura Sintética” seria, enfim, e a despeito de todas essas possibilidades de leituras, um meio, uma ferramenta, para falar - educadamente, à medida do possível - sobre tudo e sobre todos que culturalmente nos interessam e nos tocam - sem tantos silêncios e sem tantos receios do "efeito bumerangue" que as palavras, porventura, tragam em si.

 

 

Disto isto, bloqueemos!

 


 

 


[1] Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Blog